*discurso do presidente do Conif durante o Encontro Global de Educação da Unesco
Estamos inseridos em um momento histórico de profunda transformação no mundo do trabalho. As mais recentes revoluções industriais, impulsionadas pela convergência de tecnologias digitais, biológicas e físicas, estão redefinindo não apenas o modo como trabalhamos, mas a própria definição do que consideramos trabalho.
Os avanços tecnológicos estão remodelando setores inteiros em uma velocidade sem precedentes. Empregos que hoje consideramos estáveis podem se tornar obsoletos amanhã, enquanto novas profissões surgem em resposta às demandas emergentes. Esta realidade nos coloca diante de um grande desafio: como nos preparar para um futuro do trabalho que é, cada vez mais, incerto?
Para navegar neste cenário em constante mudança, as instituições de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (EPT) devem se preparar para oferecer uma formação voltada ao desenvolvimento de novas competências fundamentais:
Primeiro, a adaptabilidade e o compromisso com a aprendizagem contínua. Em um mundo onde o conhecimento técnico tem prazo de validade cada vez menor, nossa capacidade de aprender, desaprender e reaprender é nossa maior aliada. Dominar uma única área de conhecimento não é mais suficiente; precisamos desenvolver a flexibilidade para absorver novas tecnologias, metodologias e conhecimentos constantemente. Nesse cenário, não apenas os indivíduos (estudantes e educadores) precisam se adaptar, mas, também as próprias instituições, as quais muitas vezes contam com estruturas e processos incapazes de dar resposta às transformações exigidas pelo mundo do trabalho com o dinamismo que é necessário.
Em segundo lugar, o pensamento crítico e a resolução criativa de problemas. Num cenário em que as informações são abundantes, mas a capacidade de filtrá-las é escassa, a habilidade de analisar situações complexas e desenvolver soluções inovadoras é fundamental. Os profissionais do futuro precisarão ser não apenas consumidores de informação, mas analistas críticos e solucionadores de problemas.
Em terceiro lugar, o empreendedorismo e a inovação devem estar ainda mais integrados ao nosso fazer educacional. O mundo do trabalho exige indivíduos que possam criar oportunidades, não apenas buscá-las. Ao fomentar uma mentalidade empreendedora e proporcionar experiências práticas em inovação, podemos capacitar nossos estudantes a se tornarem criadores de empregos, não apenas buscadores de empregos, ao mesmo tempo em que apresentam soluções para os diversos desafios que enfrentamos.
A digitalização está criando novas oportunidades em áreas como análise de dados, cibersegurança e desenvolvimento de software, mas não só isso. Avanços como a automação, a inteligência artificial e a Internet das Coisas impactam profundamente todo o mundo do trabalho, não apenas em termos de competências necessárias, mas também do próprio modo como ele se organiza.
Nesse sentido, é preciso um olhar cuidadoso para as diferenças entre países e, no caso de um país de território continental como o Brasil, para dentro dos próprios países. As discrepâncias de acesso à tecnologia - e à formação que atenda às necessidades do mundo do trabalho cada vez mais baseado nessas tecnologias - podem, ao invés de trazer desenvolvimento, agravar ainda mais as desigualdades sociais e econômicas. Afinal, estamos falando de letramento digital, em um cenário global em que 250 milhões de crianças e jovens continuam fora da escola, e quase 40% das crianças em idade escolar primária não possuem habilidades básicas de leitura, segundo dados da própria Unesco.
Paralelamente, a emergência - expressão aqui utilizada tanto no sentido de surgimento quanto de urgência - da economia verde está gerando demanda por profissionais especializados em sustentabilidade, energia renovável e tecnologias limpas, mas também cria a necessidade de adaptação dos demais setores a uma prática econômica mais sustentável, o que exige, por conseguinte, profissionais que não apenas dominem as tecnologias emergentes, mas que também compreendam seu impacto social e ambiental.
Isto requer uma abordagem educacional que desenvolva o indivíduo mais plural, que integre o conhecimento técnico com a consciência socioambiental. Os profissionais do futuro precisarão entender não apenas como criar soluções tecnicamente eficientes, mas também como essas soluções impactam o meio ambiente e a sociedade.
Desse modo, as instituições de educação profissional e tecnológica terão, cada vez mais, que se adaptar, inovar e criar soluções para uma formação que atenda a um novo paradigma de desenvolvimento econômico que combina tanto às demandas tecnológicas quanto aos imperativos do desenvolvimento sustentável.
Para que esse impacto seja amplamente positivo, é essencial que as instituições de EPT superem os desafios de atualização curricular e de infraestrutura, capacitação de educadores e acesso a recursos. Ao enfrentar essas barreiras, a EPT estará mais bem preparada para preparar profissionais com as competências necessárias para contribuir com o novo paradigma econômico. Reconhecendo, ainda, que nosso papel é mais amplo que apenas educar e formar cidadãos plenos. Temos o dever de fomentar o desenvolvimento regional e a inclusão social. No mundo incerto do trabalho, essa missão se torna ainda mais crítica.
No tocante às instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, reafirmo o compromisso para atendimento das metas previstas na Agenda 2030, destacando nossa capilaridade e verticalização do ensino; a promoção de políticas de inclusão e ações afirmativas para garantir a igualdade de acesso; a oferta de cursos alinhados aos arranjos produtivos locais; bem como o incentivo ao empreendedorismo e a inovação, por exemplo.
A jornada à nossa frente é desafiadora, mas também repleta de oportunidades para aqueles que souberem se preparar adequadamente.
Elias Monteiro
Presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif)