O mês de junho é conhecido mundialmente como “Mês do Orgulho LGBTQIA+” e marca uma série de ações afirmativas voltadas ao combate da LGBTFobia. Tudo começou na cidade de Nova Iorque das décadas de 1960 e 1970, onde a população LGBTQIA+ era comumente perseguida e violentada pelas forças policiais.
Na noite de 28 de junho de 1969, durante uma abordagem no bar Stonewall Inn, na cidade norte-americana, os frequentadores enfrentaram as autoridades. A ação ficou conhecida como a “Revolta de Stonewall”. A partir desse dia centenas de pessoas passaram a manifestar contra os abusos da polícia.
Cinquenta anos depois, as repercussões desse acontecimento ainda são sentidas e vistas pelo mundo. No Brasil, o combate à LGBTFobia tem ganhado força e tido avanços importantes. Desde 2019, por exemplo, a homofobia é criminalizada no país, que tem mais de 20 milhões de pessoas que se identificam como LGBTQIA+, de acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).
Os direitos a população LGBTQIA+ e a LGBTfobia também são temas regularmente abordados na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Algumas instituições possuem, inclusive, algum tipo de núcleo de gênero e diversidade. Espaços como esses ajudam os estudantes a lidarem com as agressões físicas e verbais. Segundo a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil de 2016, 73% dos estudantes LGBTQIA+ já relataram terem sido agredidos verbalmente, enquanto outros 36% já sofreram fisicamente no ambiente escolar.
A reitora do Instituto Federal Norte de Minas Gerais (IFNMG), Joaquina Nobre, conversou com o portal do Conif sobre o tema. Na entrevista ela defendeu pautas como a criação de políticas públicas de reparação e a oferta de uma educação mais acolhedora, sobretudo para pessoas transgêneros e travestis. Segundo pesquisa da organização de mídia Gênero e Número, com o apoio da Fundação Ford, em comparação com os Estados Unidos as trans e travestis brasileiras correm um risco 12 vezes maior de sofrer morte violenta do que as estadunidenses. Esse é apenas um dos levantamentos que apontam o Brasil como o país que mais mata pessoas trans e travestis. Leia na íntegra a entrevista com a conselheira do Conif.
CONIF: O que a Rede Federal tem feito para atrair a população LGBTQIA+ para dentro das instituições?
Joaquina: Primeiramente temos que conceber uma escola totalmente inclusiva, que esteja preparada para receber essas existências. Estamos falando de existências que por anos foram invisibilizadas pela sociedade como um todo. Enquanto gestores, temos que pensar e colocar em prática políticas afirmativas. Na Rede Federal esse assunto tem avançado, mas ainda precisamos superar alguns desafios para conseguirmos alcançar a população LGBTQIA+.
CONIF: Após a entrada nas instituições, o que pode ser feito em prol da permanência e êxito desses estudantes?
Joaquina: Na perspectiva de Rede Federal temos trabalhado para que essa população tenha acesso a todos os dispositivos que garantam a entrada, a permanência e o sucesso ao fim do ciclo de estudos. Dentro de quase a totalidade das instituições há núcleos de estudo em gênero e sexualidade, que desenvolvem ações para a curricularização da diversidade. Além disso, há palestras, oficinas, cursos e outras muitas ações com órgãos colegiados com proposições de ações educativas para as comunidades acadêmicas e sociedade como um todo.
CONIF: A Rede Federal é inclusiva?
Joaquina: Não é raro ouvirmos depoimentos de estudantes dizendo que o convívio dentro das instituições da Rede Federal é mais acolhedor e saudável. Estamos caminhando, mas ainda não podemos generalizar que temos tido êxito completo. Nossas instituições são acolhedoras e possuem a missão de disseminar conhecimento para toda a sociedade. Nosso papel tem sido importante nesse sentido. Entretanto, precisamos trabalhar ainda internamente e externamente em mecanismos para acolher mais e melhor a população LGBTQIA+.
CONIF: Por que há dificuldade em alcançar essa parcela da população?
Joaquina: Essas pessoas ainda não foram alcançadas em sua plenitude e tem total direito de acessarem os espaços os formativos, mas ainda têm dificuldades em fazê-lo, pois ainda são vistos como “agressões” por aquilo que é dito como “normal”. Elas têm todo o direito de estarem onde quiserem, principalmente os corpos transgêneros, que são os mais invisibilizados.
CONIF: É difícil atrair transgêneros?
Joaquina: De fato atrair pessoas trans e travestis para o ambiente escolar ainda é um desafio. Estatisticamente são grupos que tem uma expectativa de vida muito baixa e tem menos acesso ao mercado de trabalho. Elas ocupam menos os espaços públicos e tem uma escolaridade, em média, menor que a média da população. Em muitos casos, as pessoas preferem abandonar os estudos a ficar e sofrer violências e assédios.
CONIF: O que pode ser feito?
Joaquina: Precisamos falar em reparação. Isso pode ser feito por meio de ações afirmativas e estruturantes, com cotas ou cursos com vagas destinadas especificamente a população transgênero. Só assim chegaremos a um estágio de transição para então chegarmos a um patamar de liberdade. Liberdade para que esses corpos não sejam mais alvos de violência, de bullying, de desvalorização. Ou seja, precisamos oportunizar mais vagas, fazer uma transição com respeito e planejamento para que as pessoas transgêneros consigam andar com autonomia e igualdade de direitos.
CONIF: Diante de tamanho abismo de oportunidades, as assistências estudantis podem contribuir para o acesso, permanência e êxito de pessoas trans e travestis?
Joaquina: Assistências estudantis e bolsas de pesquisa e extensão são mecanismos que fazem toda diferença. É importante frisar que uma parcela considerável de pessoas trans e travestis vivem em situação de vulnerabilidade. Quando elas entram nas nossas instituições, os auxílios dão condições para que elas consigam permanecer e dar um passo concreto rumo a um futuro melhor. Elas conseguem abandonar espaços que estão sem esperanças nas suas vidas.
CONIF: ...então a educação é o melhor caminho.
Joaquina: Correto! Se a gente tiver força suficiente para caminhar e implementar os projetos necessários, daremos visibilidade e garantias para preservar a vida dessas pessoas e, consequentemente, garantir a inserção social, inserção no mundo do trabalho e inserção a todos os bens de cidadania.
Assessoria de Comunicação do Conif
Texto: Marcus Fogaça
Foto: Ascom/IFNMG