ENTREVISTA - “Temos um país de uma educação muito precarizada e os institutos federais são ilhas de excelência nesse mar de descaso”

Confira a entrevista de Ricardo Cardoso, coordenador do Fórum dos Dirigentes de Ensino (FDE) do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif). A reunião do Fórum aconteceu entre os últimos dias 26 e 29 de abril, na Reitoria do IFBA, no bairro do Canela, em Salvador.


Portal do IFBA: Um dos assuntos que é transversal à pauta dos três fóruns é o processo de construção e consolidação da identidade da Rede Federal, e não parece haver um consenso dentro da Rede sobre o estágio em que esse processo de construção de identidade está atualmente.


Ricardo Cardoso: Nós trabalhamos desde os anos iniciais – para quem tem o ensino fundamental incompleto – até cursos de pós-graduação stricto sensu, em nível de doutorado. Então, nesse sentido de ser pluricurricular, de ser multicampi, mas de ter desde a logomarca até outros fatores identitários como uma lei que determina muito claramente quais são nossos objetivos, qual é o nosso papel diante da sociedade, eventos como esses são fundamentais para promover esse alinhamento de objetivos, um intercâmbio de informações, um intercâmbio de práticas exitosas que são desenvolvidas, a determinação das políticas que são prioritárias dentro da Rede – então, a gente debate desde o ensino médio integrado, políticas do ensino superior, educação de jovens e adultos, acesso, permanência e êxito, como é que a gente vai trabalhar, qual a perspectiva do ensino no pós-pandemia, de que forma que essas mudanças de sociabilidade e de socialização que ocorreram na sociedade (em razão da pandemia) vão interferir no serviço que a Rede Federal oferta. Sempre que dirigentes das mais diversas pastas – o Conif tem nove fóruns – e hoje [26.04] estamos aqui com os três principais fóruns finalísticos da Rede, sempre a gente busca, mesmo que não produzamos documentos normativos do ponto de vista de ter caráter legal, mas a gente produz documentos que contribuem para que as políticas de Ensino sejam organizadas na Rede Federal de modo a promover cada vez mais uma identidade institucional e essa troca de experiências.


Imagine que é uma rede de 40 instituições e mais de 650 campi, e todos com o mesmo objetivo. Imagine que todos desenvolvem essa missão institucional muito correlata. Nesses momentos, a gente busca fazer um alinhamento dessas políticas e de ter uma troca de experiências, informações e práticas exitosas.  Nesse sentido, em eventos como este, acredito que o papel principal é a gente se posicionar politicamente com relação a proposições do governo, com relação a políticas que a gente acredita que é importante o FDE colocar sua marca e ajudar a gestão.


Portal do IFBA: Como criar e consolidar uma identidade para a Rede Federal que permeie toda a rede, considerando essa diversidade tão grande do ponto de vista de estrutura dos Institutos Federais e da realidade local, socioeconômica e cultural de cada estado em que eles funcionam?


Ricardo Cardoso: Indubitavelmente, esse é um desafio. Pensando na história mais recente da Rede, você tinha as escolas agrotécnicas federais, as escolas técnicas vinculadas às universidades e uma política em curso de ‘cefetização’ [criação dos Cefet’s]. O governo entendeu que seria interessante unir Cefet’s, escolas agrotécnicas federais dentro de um mesmo território – em alguns estados mais unidades, em outros estados menos – e determinar uma política que desse clareza. Dentro dessa política, nós temos 50% da nossa oferta para cursos técnicos - prioritariamente na sua forma integrada -, 20% para oferta de licenciaturas, 10% para oferta de EJA... Isso, por si só já é um grande desafio. E é um desafio em construção. Por quê? Porque muitas vezes um campus que tem 60, 70 professores e 40 técnicos administrativos, esse campus não dá conta de cobrir todo esse espectro. A gente entende que o fato de ofertar cursos técnicos – principalmente os integrados, que é uma oferta geral -, trabalhar com licenciaturas e essa proximidade [geográfica]...os institutos federais, não raro, são mais vinculados – e até pelo seu grau de interiorização – às políticas municipais, às políticas estaduais. E isso acaba transformando o Instituto num ente público que contribui de forma decisiva como um aparato do Estado, constituído, físico, material e imaterial para contribuir para a execução dessas políticas. Agora, realmente, este ainda é um processo em construção [a criação da identidade da Rede].  Quando você fala de política institucional, não é a Lei 11.892 que determina a política. A lei criou, mas depois disso, a gente teve uma expansão que ainda está em curso. Então, a luta é uma luta por consolidação dessas unidades, para que todas elas tenham condições adequadas de oferta dos seus cursos e, uma vez tendo essas condições de oferta, a gente até continue esse processo de expansão....que pode ser interno – aumentando a oferta nos locais que a gente já está presente -, ou externo, ampliando ainda mais o processo de interiorização da Rede.


Portal do IFBA: Permanência e êxito é ponto de pauta dos três fóruns (ensino, pesquisa e extensão) do Conif reunidos aqui em Salvador. Durante a pandemia, em algumas unidades do IFBA – como em outros institutos federais - foram registrados índices expressivos de evasão, alguns decorrentes dos impactos da crise econômica. No pós-pandemia, qual será o principal desafio para os institutos federais com relação a permanência e êxito dos estudantes?  


Ricardo Cardoso: Eu diria o seguinte: é fundamental, é basilar quando se trata de permanência e êxito ter em perspectiva que o fenômeno da evasão é multifatorial, com causas internas, externas, endógenas, exógenas, algumas que a instituição pode e deve interferir, e outras que fogem da governabilidade da instituição. Essas que fogem da governabilidade da instituição, elas existem, estão aí e a gente não pode fazer nada. Para as demais, nos cabe....o que costumo dizer: nós temos um país de uma educação básica, de uma educação de maneira geral muito precarizada. E os institutos federais não deixam de ser ilhas de excelência nesse mar de descaso, vamos dizer assim. Uma vez que esse estudante entrou num instituto, seja num curso integrado, no EJA, no ensino superior, seja numa pós-graduação, nossa obrigação é mantê-lo na nossa instituição, a despeito de ele ter ou não uma base conceitual mais ou menos sólida. No melhor dos mundos, a gente gostaria que ele chegasse com uma base sólida. Mas os institutos federais – e essa é uma grande questão e esse para mim é um caráter da identidade fundamental – vêm atender aqueles que podem menos, aqueles que historicamente foram alijados de oportunidades educacionais. Como qualquer instituição pública, nós temos que atender toda a sociedade, isso é indubitável. Mas nós só existimos para atender aqueles que historicamente não têm oportunidade de ter educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada. E são esses os que têm historicamente uma tendência maior de evadir. Mas a gente não pode responsabilizar o estudante por isso. A partir do momento em que ele se matricula em uma instituição nossa, a partir do momento em que a gente escolhe um processo seletivo, a responsabilidade é nossa. Nesse contexto, nesse momento, não tem como debater permanência e êxito sem pensarmos no papel da escola, no papel da educação.


Portal do IFBA: Com a pandemia, esse debate está sendo reconfigurado.


Ricardo Cardoso: Exatamente. Antes da pandemia, antes de março de 2020, esse debate sobre permanência e êxito estava pronto, sólido, a gente tem a Plataforma Nilo Peçanha [PNL], que é um grande instrumento para buscarmos indicadores que demonstrem isso, só que a pandemia ela modifica muitas questões dentro da nossa sociedade. Penso que um debate sobre permanência e êxito tem que passar, neste momento (enfático), inicialmente para o que pode ser incorporado do ponto de vista de tecnologias e ferramentas digitais à educação, como esse estudante tem chegado à Rede e qual o estudante que a gente quer que saia, qual o perfil do ingressante, qual o perfil do egresso, enfim, são questões fundamentais. Veja: essa condição já existia antes da pandemia, só que agora está agudizada. Não dá para a gente voltar para as atividades presenciais e voltar para tudo como era antes no quartel de Abrantes, não dá, não existe. Teve um novo vórtice que nos levou em outra linha do tempo e a gente tem que conversar a partir dela. O debate sobre permanência e êxito é fundamental e ele passou a ser entendido como deveria ser porque nós somos uma instituição pública que vive dos impostos de muitos daqueles que podem menos e mesmo assim são pagadores de impostos, então a gente não pode simplesmente naturalizar o processo de evasão.


Essa é uma reflexão muito pessoal, mas nós vamos também debater isso no fórum: que isso tem que passar por um debate sobre o que pode ser incorporado como experiência exitosa no campo da Educação durante este período. Para mim, esse processo de evasão...o currículo no seu conceito mais amplo, de percurso, de caminho, ele é fundamental para que a gente possa oferecer uma escola cada vez mais atrativa que dialogue com os interesses dos estudantes. Essa escola mais atrativa e que olha  cada estudante como ser único, que o é, como protagonista do seu processo de aprendizagem – desde que as ferramentas sejam dadas para ele, porque não é numa lógica meritocrática...a meritocracia não existe numa sociedade desigual como a nossa – ele vai precisar inequivocamente ter opções porque de uma forma ou de outra essas relações que foram modificadas no decurso da pandemia exigem dele um perfil diferente e a escola tem que estar alinhada com isso.


Assessoria de Comunicação do Conif

Texto: Bárbara Souza – Ascom/IFBA

Foto: Ascom/IFBA

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